quarta-feira, 10 de outubro de 2007

















Revolução no Espelho








Por José Leite Netto




A literatura assim como toda manifestação artística é um ato de amor, mas a arte de escrever supera a si, vai além do desdobramento que todo artista tem ao construir suas obras, chaga a dimensões longínquas o autor quando o seu Eu profundo fala consigo, com os Demônios que nele se combatem. Ela (a arte e seus gêneros) reflete como em um espelho a época da sociedade que a cerca, e em seu núcleo reluz seus sentimentos, o valor e o desvalor do mundo em que vive: com isso perpetua-se.

Contudo o artista existe para superar o mundo, ou melhor, para superar o mundo artístico que nele reside, porque a arte existe para ser superior a ela. Ela é uma evolução do tempo no espaço em que vive o artista em sua sociedade, pois aquele que critica a arte, critica por que consegue ver o que se encontra do “outro lado da ponte”. A arte só será arte quando for crítica de si e do universo que a cerca. No entanto deverá ela (a arte) se auto-superar para que nasça uma nova concepção como o quer o filósofo? Deverá tornar-se um movimento que se auto-sustente, se auto-edite, se fortifique? Ou deverá se auto-sufocar até que morra na mesmice das concepções de outros que estufam o peito com suas medalhas, dizendo-se senhor deste ou daquele movimento artístico independente ou acadêmico? É interessante notar que a literatura do século XIX perdurou porque existia nos escritores e nos artistas de sua época um quê de desespero e fadiga, hoje continua o desespero, o medo... Amanhã haverá comoção? Vamos às escolas das favelas, aos becos! De lá surgirão novos autores que, talvez, trocarão suas armas por outras armas – os pinceis, as canetas... Está seria a substância, a alquimia para um mundo melhor a fim de lançarmos nosso EU-POÉTICO para além do EU-ANALÍTICO, para o povo. O povo necessita pensar, precisa de uma mola que o impulsione, uma força motriz que o conduza para um mundo mais metafísico e menos violento.

Trotski em sua carta ao artista plástico André Breton, nos deixa claro a sua preocupação com o famoso movimento artístico revolucionário F.I.A.R.I (Federação dos Artistas Verdadeiramente Revolucionário e Independente), em que na época que estava exilado no México, devido a perseguição do ditador Stalen, escrevera pensando não só em sua geração perseguida, mas, creio dando luz para nosso mundo contemporâneo, quando afirma que a arte não deverá se prender a está ou aquela escola, por que a força artística começa pela luta pela verdade no sentido da fidelidade do artista a seu eu interior - sem mentiras. O EU-INTERIOR, sem sobra de dúvidas, é uma dualidade psicológica e sociológica onde se denota a preocupação de Trotski com o EU-SOCIAL e o EU-POÉTICO. Nota-se que havia uma idéia fixa com o social, não era o artista egocêntrico, fechado em suas metáforas, queria-se derrubar um moro que estava porvir. No Brasil, especialmente no século XIX, estava criada a famosa Padaria Espiritual numa ingênua antecipação da Semana de Arte Moderna de 22, fundada pelo poeta Antônio Sales que ao lado de Adolfo Caminha, Papi Júnior e entre outros editaram o jornal O Pão, veículo de comunicação que tentava dar um basta nos costumes afrancesados da Belle Époque, tinha-se que ser genuinamente brasileira a nossa literatura – nada de palavras francesas e poemas recitados ao pino. Mesmo naquela época em Fortaleza os Padeiros não eram “escritores obesos”, como se vê em alguns autores dos nossos dias, sonhando com seus fajutos prêmios literários mergulhados no uísque e na pompa, havia comoção naquela época de Sales, havia determinação nos artistas de todo século XIX ao fim do Século XX. Não iríamos muito longe se citássemos a poesia de João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, e o seu livro A Rosa do Povo, poemas encharcados de uma boa crítica social, gritando que “o poeta declina de toda responsabilidade contra o mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme”. Vê-se o cuidado com o poemamundo, o homem no centro do capitalismo, combatendo o cotidiano. Eis a revolução na arte de que nos diz Trotski, arte sem mentiras e voltada para uma reflexão ao social, para uma futura conscientização de um mundo melhor. E se eles não mudaram o mundo todo, mudaram a maneira de pensar dos políticos, conseqüentemente do povo de sua geração.

Por fim sem querer aqui parecer um domador de animais nem tampouco um crítico de arte, coisa que não sou por profissão, apenas me analiso como autor, e se me analiso me vejo no espelho, combato meu inimigo para que ele enfraqueça ao tempo em que me fortifico.