terça-feira, 20 de novembro de 2007







Entre Cupins e Mallarmé


josé leite netto




10h.





O sofá já havia gasto. A tinta que sustentava meu coração à parede aos poucos caia. E despencando de um sonho, entre o ranger e outro da rede, lendo Mallarmé, deixo-me entre cupins e uma multidão de verbos espalhados pela sala. Praias e Várzeas esculpiam a eloqüência líqüida de areia manchada de sangue no tapete a se retorcer entre Quixotes e muinhos, enquanto sopro poeiras, versos e gaitas. Johnny Winter e Floyd se mantinham musicais, Jobim também toquinho tocou por aqui. Rener Maria Rilke aconselha-me a não escrever versos, o silêncio talvez se vestisse ao manto de Mallarmé. Silêncio! O cupim roedor é tocador de flauta.

“Não posso com o teu pó nas prateleiras.” Disse eu enrolando um latim na língua do enceto. E continuando com o dedo em riste...

“Se cada cupim soubesse do amor que tenho por esses objetos de Platão e Sade... com seus mistérios de Sintra, Vinicius e sua menina com uma flor, roterdã com sua loucura disfarçada e medieva... todos vieram a mim, ouviu! Cada um com seu lugar na estante, na minha pequena história particular.”

Mas o safado teimou a fumar ópio com Baudelaire e Pessoa. “Caminhemos de mãos dadas. É tempo de mortos faladores” espalhados pelo chão e minha mãe a gritar:

“Arruma tudo, o sofá chega amanhã.”

Ainda bem que ela foi ao barzinho. Disse-me enquanto o cupim me falava afiado:

“Ou tu me sopras ou te devoro.”

Mas a Desplanura por vezes é o Leme e o sonho de quem toca pífano no pensamento e pensa em ser uma Metáfora de Sol a se deixar com sua Cadeira na Calçada. As palavras podem ser rudes na guerra e paz de uma casa sendo pintada, enquanto o morador se vê às avessas mergulhado em pinceis e tintas. Neste momento, entre rodos e latas, o cupim passou correndo e juntou-se a barata do senhor K para uma partida de baralho com o gnomo do jardim. Verdade é que eu queria uma régua para medir quilômetros de Aurélios no universo recriado de palavras empoeiradas.

“Trouxeste a chave?” Perguntei.

”Não trouxe nada! E não entendo nada e pronto!”

Gritou o velho pintor de parede, com sua barba de Max, diluindo cores em busca de um trocado. Enquanto eu fingia ser cata-vento fazendo cachos.